Por que sua 'artezinha' não funciona na vida real
A vingança dos míopes: ou, por que sua 'artezinha' não funciona na vida real
Em um país onde quase 90% da população com mais de 10 anos já tem um celular 1 e uma parcela significativa de 62% dos usuários de internet acessa a rede exclusivamente por esses aparelhinhos 2, insistir em fontes minúsculas em seus designs é, no mínimo, uma aposta ousada. Para não dizer masoquista.
É fascinante a dedicação de alguns em criar peças gráficas que parecem ter sido feitas para formigas com superpoderes visuais. Letras delicadas, finas, quase etéreas, dançam graciosamente na tela do seu monitor de 32 polegadas. Lindo, não é? Uma verdadeira obra de arte. Pena que o seu público, coitado, está tentando decifrar essa mensagem cabalística enquanto se equilibra no ônibus, em uma tela que, em média, tem generosas 6.3 polegadas 3.
Para contextualizar melhor essa realidade digital brasileira, vale destacar alguns números que deveriam estar tatuados na testa de todo designer: segundo dados do IBGE de 2024, impressionantes 88,9% da população acima de 10 anos possui celular [1]. Mais revelador ainda é o dado do NIC.br que mostra que 62% dos usuários de internet no Brasil acessam a rede exclusivamente pelo celular [2], sem computador, sem tablet, apenas aquela telinha que cabe no bolso. E essa telinha? Tem em média modestas 6,3 polegadas, conforme aponta a Omdia [3]. Ah, e o brasileiro médio passa generosas 3 horas e 31 minutos por dia nas redes sociais [4], tempo mais do que suficiente para desenvolver uma conjuntivite tentando ler suas fontes microscópicas.
Sim, meu caro esteta do minimalismo ilegível, o brasileiro médio passa mais de 3 horas por dia nas redes sociais 4, a maior parte desse tempo em um dispositivo que cabe no bolso. E o que você oferece a ele? Um teste de oftalmologia disfarçado de post. Uma fonte tamanho 8 pode parecer o suprassumo da elegância no seu Mac, mas na tela de um celular popular, com resoluções como 360x800 pixels, ela se transforma em um borrão digital, um hieróglifo moderno que ninguém pediu para decifrar.
Isso nos leva a um conceito que parece ter sido esquecido em algum canto empoeirado do seu repertório: a acuidade visual. A teoria do design não é apenas sobre o que é belo, mas sobre o que funciona. A acuidade visual refere-se à clareza da visão, a capacidade do olho de distinguir detalhes e formas. Quando você ignora o contexto de uso – uma tela pequena, em movimento, muitas vezes sob luz solar – você não está sendo um designer; está sendo um decorador de telas, e um péssimo, por sinal.
O design que não considera a função e a acessibilidade é apenas decoração. E decoração, por mais bonita que seja, não comunica, não vende, não engaja. Apenas ocupa espaço.
Então, da próxima vez que você se sentir tentado a usar aquela fonte super fina e minúscula para parecer 'clean' e 'moderno', lembre-se dos milhões de brasileiros apertando os olhos para a tela. Lembre-se que seu trabalho não é criar um quadro para uma galeria de arte, mas uma peça de comunicação para o mundo real.
Porque, no final das contas, a diferença de um profissional para quem faz 'artezinha' é esta.
Referências
[1] [No Brasil, 88,9% da população de 10 anos ou mais tinha celular em 2024](https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/44032-no-brasil-88-9-da-populacao-de-10-anos-ou-mais-tinha-celular-em-2024 ) - Agência de Notícias IBGE
[2] [Celular é único meio de acesso para 62% dos usuários de Internet no Brasil](https://www.nic.br/noticia/na-midia/celular-e-unico-meio-de-acesso-para-62-dos-usuarios-de-internet-no-brasil/ ) - NIC.br
[3] [Average smartphone display size stays at 6.3 inches](https://omdia.tech.informa.com/om022757/display-dynamics--january-2022-average-smartphone-display-size-stays-at-63-inches-while-the-resolution-can-be-potentially-enhanced ) - Omdia
[4] [Digital 2025: Brazil](https://datareportal.com/reports/digital-2025-brazil ) - DataReportal